Saturday, September 27, 2008

Eu vou para a floresta!

Desde que fui vitimado por estelionato afetivo, há alguns meses, ando as voltas com uma idéia fixa. “Deus te livre de uma idéia fixa, leitor”, desejou-me, efusiva e exclamativamente, também há algum tempo, Brás Cubas. De nada adiantou, porém, pois sou teimoso como uma mula. Pois bem, tenho uma idéia fixa. Trata-se basicamente de formar-me jornalista e depois mudar-me para uma cabana em meio ao mato, onde não farei exatamente nada, a não ser drenar garrafas de cachaça e atirar em qualquer coisa que se aproxime – principalmente seres humanos; principalmente se usarem saias. A idéia é tão estúpida e degradante que me atrai irremediavelmente, de modo que eu já estou decidido, coloquei isso como projeto de vida. Vou-me para longe. Por aqui o mundo anda muito perigoso.
Vejamos, por exemplo, esse riscado de mercado financeiro. Vejamos enquanto ainda podemos, enquanto não começam a nos cobrar os olhos da cara por qualquer bugigangazinha. Vejamos enquanto não nos transformam em personagens de José Saramago.

Crash!

Os estadunidenses, não satisfeitos com seus tradicionais crimes de guerra (taí uma expressão completamente descartável, como se a guerra por si só já não fosse hedionda), sem os quais não passam, agora mudaram de tática. Justo eles, que tanto mal disseram os homens-bomba, decidiram que por ora também querem se auto-explodir e, com uma mãozinha dessa abstração que é o mercado financeiro, levar o mundo todo pro buraco. Penso cá com meus gastos botões que tudo bem, sem problema, vão em frente, não se avexem com minha opinião sobre o assunto. Querem liquidar a fatura? Pois que façam; não se perde lá grande coisa mesmo se a toda a civilização for para as cucuias.
Ah, estamos sendo dramáticos. Tentemos analisar friamente a situação com os dados que temos.

Aos dados que temos

Primeiro dado: não há dados. Ninguém sabe exatamente o que está acontecendo nessa crise do setor imobiliário americano. Alguns analistas vão além: dizem que não fazemos é a mínima idéia do que está se sucedendo, que o rombo financeiro pode ser muito maior do que se imagina e que quem sabe só descobriremos mesmo o tamanho do buraco daqui uns 20 anos. Isso, porém, de pouco vai adiantar, porque até lá o capitalismo terá falido, o mundo terá quebrado e nós provavelmente teremos voltado aos primórdios, à fase da barganha – uma saca de feijão por uma de arroz, etc. e tal. Crash! Como em 1929. Crash!, faz a coluna vertebral do mundo. Ok, estou exagerando um pouco. Mas é mais ou menos por aí.
Pois não, seu Karl Marx. Disse algo? Sim, sim, o senhor bem que avisou. Eu sou prova. Mas vamos parar de nos vangloriar e focar no nosso problema.
“Onde estará a saída?”, perguntam em desespero os caras de colarinho branco que lidam com esse riscado de mercado financeiro. Pois não sei. Esse tal de mercado imobiliário americano é pior que o sistema eleitoral dos caras, mais confuso que cartela de surdo em bingo, mais louco que o labirinto do Minotauro. E dá-lhe injetar dinheiro pra salvar banco. Deve estar aí a saída. Os países desenvolvidos, ao que tudo indica, têm dinheiro que nem ladrão termina mesmo.
E nós mortais, com o couro lascado da América do Sul, o que fazemos?

Pois eu digo

Tudo bem que se conselho fosse bom a gente vendia, e a preço de ouro, mas toma lá, que quem sabe seja de alguma valia em meio a essa sangria desatada: aconselho todo mundo a aplicar seu rico dinheirinho no bar – isso sim um investimento seguro e de retorno já no curto – curtíssimo – prazo. Quanto a mim, rumarei para a floresta.

Monday, September 08, 2008

Quem vez por outra dá com os olhos por estes sítios sabe que não costumo postar por aqui coisas alheias. Abro uma exceção agora. Fausto Wolff, espécie de Robert Altman do jornalismo, e daqui, das bandas do Brasil, morreu. Vai fazer falta, ainda mais em épocas em que o Diogo Mainardi e o Arnaldo Jabor são os ídolos intelectuais da classe média. Vai fazer falta o cara que teve a audácia de dizer que o jornalismo deve ser parcial, deve estar do lado do povo. Agora, de memória, o único que lembro de também ter dito algo semelhante é Robert Fisk – mas ele é gringo. É, o time vai mal...
Sem mais delongas, vai o lobo, ficam os uivos:

Fausto Wolff: Verdade


Como eu ia dizendo aqui no JB antes de ser rudemente interrompido por 20 anos de ditadura militar e 20 de ditadura branca, talvez ainda haja salvação para o Brasil. Neste meio tempo, para ficar apenas no fundamental, acabaram com a nossa cultura, o nosso futebol e a nossa imprensa. O povo, principalmente o carioca, sempre tão gentil, emburreceu, a classe média vive tão desesperada em sua ânsia de não descer ao inferno do proletariado que não tem tempo para outra coisa além do pobre umbigo. O último estadista, Leonel Brizola - tinha um dedo podre para escolher parceiros mas era um homem de bem - morreu. Em seu vício pelo vício de fazer dinheiro, a televisão agoniza enquanto mostra os seres humanos como se fossem porcos em programas ao estilo de Big Brother que torturam Orwell até depois de morto. O país tem solução? Tem e precisa ser drástica, se não quisermos que, desesperado pela dor da fome, o povo desça e o resto dance. O jornalismo pode ser uma solução. Outro dia perguntaram-me se era possível voltar a fazer do JB o melhor jornal do Brasil. Respondi que sim por dois motivos: primeiro, por causa do insípido e medíocre panorama da nossa imprensa; segundo, se recolocarmos a mocinha, a heroína, a estrela, no centro do palco. Estou me referindo à verdade. O erro dos que se propõem a entrar no ramo é imitar as grandes corporações, que só têm compromisso com o lucro e desabam sobre seu próprio peso, enquanto a maioria dos seus colunistas fala de uma vida que não viveu. Em princípio o jornal é o advogado do povo. É o advogado daquele que tem dinheiro para comprar jornal e não para comprar advogado. Os bandidos têm medo dos jornais, pois podem ser desmascarados por eles. A não ser, é claro, que os jornais sejam sócios dos bandidos, quer os privados quer os da Justiça, do Executivo e do Legislativo. O povo precisa sentir que o jornal é parcial; que está do seu lado; que não trata caricaturas de seres humanos que navegam em naves de papelão como pessoas sérias; que o jornal não admite justiça sem força e força sem justiça. Para começar, por que não dizer a verdade? Severino, o presidente da Câmara, não é uma bizarra exceção. Exceção são os não Severinos. Severino apenas faz escancaradamente o que os senhores pomposos, elegantes e bem falantes - do poder ou não - fazem às escondidas. É isso aí. O Brasil não tem mais a cara de Carmem Miranda, mas sim a cara do Severino, que ri dos que dele riem, pois a cumplicidade é óbvia demais. Como na peça de Ionesco, tornamo-nos uma nação de rinocerontes exatamente porque não temos coragem de nos reconhecermos rinocerontes. No Brasil encenam uma realidade para encobrir a verdade e a verdade está na nossa bandeira. O verde representa os que vivem com menos de dez reais por mês; o amarelo, os que vivem com menos de cem; o azul, os que vivem com menos de mil. E os pontos brancos são os tiranos que sendo tão poucos nos esmagam com tamanha facilidade.


Tem mais Wolff aqui, a quem interessar possa.

Monday, September 01, 2008

Homem trabalhando (?)

A idéia era atualizar este espaço um pouco mais freqüentemente, em respeito as duas ou três senhoras que fazem o obséquio de passar por aqui, de vez em quando. Mas, pela primeira vez, tento produzir a sério (o que não significa ser menos analfabeto) um texto um pouco mais longo que, faça sol ou chova canivetes, preciso findar até o dia 09. Então, por ora, vamos ficando às moscas. Também pela primeira vez, tento estabelecer alguma disciplina no processo, desde a sexta-feira trabalhando pelo menos um pouco por dia. Reparo em uma coisa: não importa o quanto você passe ruminando certo trecho, às vezes um dia inteiro, ansioso para sentar-se e pô-lo no papel, no exato momento em que você achar-se com o computador vai tentar arrumar uma desculpa para não começar. Falo sério. Vai lembrar-se de que não fez isso, não fez aquilo, ou precisa falar sobre aquele outro com fulano, sicrano, beltrano, ou o diabo a quatro. Leva-se sempre certo tempo para vencer essa barreira. Outra coisa: jamais volte revisar algo enquanto tem alguma idéia em mente – você vai ficar inutilmente trocando palavras, reformulando períodos e, bestamente, perdendo o fio da meada para a continuidade. Melhor mesmo sempre deixar para fazer isso no outro dia.
Por enquanto, apenas orem por mim.

A vida por um fio

Leio nos jornais (na verdade não leio, dou uma corrida de olho, que o mar não está pra peixe, a vida não está ganha e é preciso correr atrás; e, afinal, jornal é sempre a mesma coisa, dá para adivinhar o que eles estarão a alardear) que a ciência continua sua incansável marcha para transformar a vida de todos nós, pobres diabos mortais, em algo totalmente insosso, chato e desprovido de graça. O que, diga-se de passagem, no atual andar da carruagem, não é lá tarefa das mais complexas.
(Digressão para desabafo deste que escreve estas mal digitadas linhas: como imagino que deva acontecer a todos, eu não fui previamente consultado por ocasião de meu nascimento. Acho isso de uma canalhice das maiores. Alguém poderia ter tido a decência de perguntar-me se eu estava realmente disposto a encarar a barra pesada aqui de fora em troca dos parcos prazeres que este mundo tem a oferecer – o cigarro depois da xícara de café puro, umas cervejas, um filme do Leone, um livro do Graciliano, e vamos ficando por aqui. Provavelmente eu teria recusado a oferta com um obrigado-obrigado-mas-encontre-outro-trouxa-a-quem-encrencar e me livrado de uma porção de aporrinhações.)
Mas como dizia antes do meu acesso de amargura fulminante contra o mundo e todos os seres viventes (o que resultou num parágrafo meio avulso, como pode ser constatado), a ciência continua descobrindo que isso aqui faz mal, aquilo lá é causa provável de aleijamento e daquele outro, por deus, é melhor nem se aproximar que a morte lenta e dolorosa é certa. A bola da vez é o chimarrão que, não bastasse os males causados ao tubo digestivo devido a temperatura em que o mandamos goela abaixo, agora também pode causar câncer de esôfago.
Senhoras e senhores, a vida está por um fio. Um passo em falso e, zás!, vamos todos para o beleléu.
Não comecemos a pensar negativo, porém. Afinal, a ciência, como de costume, não sabe lá muito bem o que acontecesse com nosso esôfago – tem só uma vaga noção. O que, visto de uma perspectiva complacente, é até um avanço, já que nas maiores questões a respeito da vida, do Universo e de tudo mais a ciência não faz mesmo é a mínima idéia do que está a se suceder. Entretanto vamos ao que sabemos, que não é muito, mas dá pro gasto: no chimarrão, sempre segundo os cientistas, existem substâncias cancerígenas – não se sabe ao certo quais, não se sabe exatamente a que propósito, mas a prova de que alguma coisa não está certa nesse riscado é que o Rio Grande do Sul, onde já se nasce de cuia em punho, é o terceiro lugar do mundo em incidência de câncer de esôfago. É o que dizem as estatísticas, ao menos, que podem ser suficientes para os cientistas, mas não o são para mim e minha sabedoria chucra. Estatística é, afinal, a arte de torturar os números até que eles digam o que você quer.
(Atenção! Agora saltarei, serelepe, para outra digressão: não sei ao certo que serventia tem o esôfago. Provavelmente tem alguma, mas é plausível pensar que eu tenha fugido dessa aula, ainda lá na minha terra, para beber cerveja no boteco do Seu Luís Polaco, que andava sempre atrás do balcão de cuia na mão, óculos no meio do nariz, a contar moedas, temendo ser ludibriado por fregueses de caráter questionável. Espero que esteja bem de saúde, o Seu Luís; bem do esôfago, acima de tudo.)
Depois de ler o jornal de domingo, avisei meu pai da boa-nova (ou, vá lá, má-nova), apressando-me depois a explicar, temendo que sua hipocondria já começasse a rastrear carocinhos em sabe-se lá que parte do corpo – onde ficará o esôfago? –, que não era para tanto, que a ciência vive mesmo é em função de anunciar a morte certa para dali a dois minutos. Eu mesmo, neto de gaúcho que sou, aprecio o chimarrão e dou minhas bicadas vez ou outra em uma cuia que esteja dando bobeira. O que, não raro, rende alguma inconveniente piada a respeito do ato de se estar com a boca em um objeto de formato fálico, fazendo suspeitos movimentos de sucção – ato cujo nome vulgar eu não escreverei aqui, em respeito às senhoras que por ventura dêem com os olhos nestas linhas.
Assim, mais uma vez a ciência fez o obséquio de aumentar minha lista de hábitos perniciosos que, mais dia menos dia, provavelmente menos dia, me levarão para a cova. Dirão os mais sensatos que eu estou pegando no pé da ciência, e de fato estou mesmo. Não carecia de ficar sempre a anunciar que – muito não tarda! – estarei eu abotoando o paletó.