Monday, November 27, 2006

Esse post começa com um pedido: estou procurando um suplemento da Época chamado "300 filmes para ver antes de morrer". Já vasculhei as bancas do centro, mas não encontrei. Se alguém ver essa porra em algum lugar, me avise. Serei mui grato.
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Ontem fui com um amigo meu ver uma peça de teatro baseada em Jack Kerouac. Por isso, segue aí embaixo a resenha que escrevi sobre On The Road há algum tempo.
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No mais, vasculhando sebos e comprando livros para as férias. Estou aceitando empréstimos também. Então, se você gosta de mim, quebre meu galho. Se não, foda-se - eu não vou ficar sabendo mesmo.
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Pé na estrada

No meio do caminho tinha uma pedra, mas ela foi dinamitada

On The Road não é um livro pra qualquer um. Já ouvi muitas vezes carinhas dizendo coisas assim: “porra, o cara só fala que ta viajando e que pega carona e blá blá blá.” Gente que nunca entendeu o real sentido da coisa. Mas não se sintam culpados. Capote, que foi Capote, com todos os louros que merece por isso, também não entendeu. Reza a lenda que, quando foi apresentado ao livro de Kerouac, disse: “Mas isso não é escrever. Isso é bater à máquina”. Ele não sabia, mas o buraco era bem mais embaixo.
A importância de On The Road para a cultura pop (e pra se constatar isso basta dizer que após ler este livro Bob Dylan fugiu de casa e foi tentar carreira em Nova York. Deu no que deu) não pode ser medida por literatos e intelectuais. Até porque ele repudiava isso. Sua linguagem era livre de intelectualismo barato. Não era o tipo que precisava camuflar a falta de assunto garimpando dicionários.
Um livro e um escritor que até hoje são cultuados – e lá se vão 50 anos. Porque “a Bíblia da geração beat” pode ser vista também como a Bíblia da geração anos 90. (Se eles cresceram largados em casa enquanto os pais lutavam na Segunda Guerra e as mães trabalhavam nas fábricas de armas, nós crescemos vendo televisão, o que é mais ou menos como crescer largado a própria sorte.)
Kerouac foi um membro típico da geração anos 50, da “geração beat”, da “geração perdida”. Um dos escritores malditos – secção em que casa perfeitamente bem com Charles Bukowski. A paixão, que beirava o fanatismo, por escrever livros “com emoção” não o trancafiou num gabinete. Por isso, saiu cortando os Estados Unidos e depois contando tudo numa verborragia desenfreada, atropelando vírgulas, assassinando a “pontuação inútil”, escrevendo um livro na mesma velocidade em que saía de San Francisco e dava às portas de Nova York – cerca de três semanas. É esse o tempo que ele teria levado para escrever o primeiro rascunho de On The Road, que acabou precisando ser reescrito posteriormente, por culpa da corja editorial. Três semanas rasgadas à benzedrina em que ele narrou, quase que ininterruptamente, as alucinadas viagens de carona, em que cruzava um país inteiro – e veja, não estamos falando do Vaticano, é um país de verdade - com cinco dólares no bolso.
Em On The Road, Kerouac é Sal Paradise, e tem um comparsa. Dean Moriarty, pseudônimo de Neal Cassady, considerado “o pai dos hippies” e que, anos mais tarde, acabaria morrendo escaldado pelo sol junto às ferrovias mexicanas depois de tomar mais peyote do que o bom senso consideraria aceitável. Juntos eles vão cobrir as estradas americanas com os passos angustiados de uma geração instável – personificada, principalmente, na figura impulsiva, frenética e idiossincrática de Moriarty – e que ainda não sabia direito de onde vinha – e acabaria nunca vindo a saber. Mas juntos, Paradise e Moriarty criaram um culto de amor a vida – que mantém um pacto de não-agressão com a morte -, regado a porres homéricos, benzedrina e a fumaça da maconha mexicana.No fim de tudo, Kerouac – que ainda escreveria coisas brilhantes como O Livro dos Sonhos, O Viajante Solitário e o curto, mas excelente Tristessa – morreria reacionário, alcoólatra e dando tiros em aparelhos de TV. Antes de Jack enveredar por devaneios nixoneanos, porém, On The Road já havia conquistado gerações – e continuaria conquistando, até hoje. O estrago já estava feito. O caminho estava livre das pedras pra quem topasse uma carona.

Tuesday, November 21, 2006

Se eu sou revoltado? Não. Acho que sou só um descrente. Não dá pra acreditar num mundo desses. É como o José Saramago disse há alguns dias numa entrevista: “Não. Eu não quero morrer. Não que o mundo seja o melhor lugar pra se viver. O mundo não é um lugar bonito. Mas não quero morrer, porque sei que do outro lado não há nada”.
Eu não acredito no mundo e nem em toda a porra que ele vive nos querendo enfiar goela abaixo – com trocadilho, por favor, é exatamente esse o sentido da coisa. Como sonhos, por exemplo. Eu não tenho sonhos, tenho desejos. Algo muito mais palpável e carnal. É como despir o amor de todo o seu onirismo. Sobra o tesão. Sem xaropada, sem devaneios, só o imediato, só o que sangra. Tudo o que ultrapassa isso, que foge disso, fode a sua vida.
Eu já procurei espiritualidade em tudo quanto foi lugar: terreiros de Candomblé, centros espíritas, retiros budistas, igrejas evangélicas, catolicismo... Não encontrei. Sou ateu, não me enquadro em religiões. Como nunca me enquadrei em nada. Já tentei ser uma porrada de coisas. Já tentei ser aceito. Punk, dark - daqueles que pintava às unhas escondido do pai pra ir pra balada hahaha... Hoje eu não dou a mínima. Só que isso não configura um rebeldezinho sem causa. Pelo menos eu acho que não. Configura a descrença.
É, às vezes nem eu entendo. Mas “qualquer criança com o mínimo de sensibilidade é capaz de entender isso”, já dizia Morrissey.
Eu sou um ser impulsivo, do tipo que não mede conseqüências e vive entrando em encrencas colossais. Do tipo que gasta mais do que tem e é obrigado a fazer horas e horas de extras no trampo pra equilibrar as contas. Do tipo que bebe até cair – literalmente – e no outro dia não sabe como chegou em casa. O que isso faz de mim? Não sei. Faz com que seja eu. A sensibilidade em estado bruto. Com porrada, sem dinheiro, bêbado – do tipo que abre caminho no peito. Um ser sujo, que não se encaixa na maioria dos conceitos imbecis de ética. Não é culpa deles. Esse mérito é todo meu, que cago e ando pra ortodoxia, para os dogmas e pra o que já me é servido pré-estabelecido. Por isso sou criticado tanto pelos engomadinhos, quanto pelos caras que se acham viajandões. Não dou a mínima. Até gosto. É propaganda gratuita. E as marcas de cigarros nos meus braços denunciam o que sou.
Sou um animal irracional, como me disseram esses dias antes de me darem um chute. E gosto. Pelo menos vou ter histórias pra contar aos meus netos, que nem naquele comercial de cerveja – aliás, nada poderia vir mais a calhar.

Sunday, November 19, 2006

QUEM É VIVO...

Tentando retomar as atividades por aqui. Aí embaixo vou postar o texto de uma entrevista que eu fiz com o Hermeto Pascoal - já falei com esse cara genial duas vezes, pena que tive que condensar tudo em 5200 caracteres (coisas muito boas ficaram de fora, infelizmente). O texto também vai sair - mas daí com os cortes e sugestões da editora - no jornal laboratório de Jornalismo da UFPR. Só que como ninguém lê aquela porra, a não ser nos mesmos, resolvi pôr aqui. Sim, aqui eu podia acrescentar todo o resto de interessante que ele disse, mas na real estou sem saco. São quase 4 horas da manhã e fazem quatro noites que durmo mal pra caralho. Vai ter que ser assim mesmo. Mas relaxem, acho que - modéstia à parte - condensei o negócio de uma forma bacana. Resta saber se vai passar pelo crivo do tal jornal. Afinal, a auto-censura impera por lá.


O bruxo de Curitiba
Hermeto Pascoal, o homem que já levou porcos para gravar em um estúdio, fala sobre
“Música Universal”, sua parceria com Miles Davis e, é claro, Curitiba


Cabelos longos, barba espessa, ambos brancos. Um físico que não é lá muito atlético e, para complementar o visual, óculos ao melhor estilo “fundo de garrafa”. Poderia ser a descrição do Papai Noel, mas não é. Também não é nenhum dos personagens da trilogia O Senhor dos Anéis. Apesar disso, muitos o chamam de bruxo, mago, prodígio. Trata-se do multinstrumentista Hermeto Pascoal, um alagoano conhecido internacionalmente, famoso por arrancar música de tudo: panelas, chaleiras, bacias d’água, máquinas de costura, patinhos de borracha e até mesmo porcos! O segredo? “A música está em tudo”, diz ele. “Você só tem que parar e ouvir. Porque a bichinha está ali, esperando que alguém a descubra”. Uma citação à la Keith Richards, mas que nesse caso provavelmente não configure plágio, apenas uma coincidência.
E é assim que Hermeto vem, há décadas, impressionando adeptos da música instrumental. Sua mais nova investida é a parceria com a “patroa” Aline Morena, uma música gaúcha de 26 anos que encontrou em um de seus muitos espetáculos e acabou “tomando por namorada”. Os dois mudaram há três anos e meio para Curitiba e fazem juntos a turnê Chimarrão com Rapadura – uma referência as suas respectivas origens. A turnê é baseada em CD e DVD produzidos independentemente e que, apesar de já terem passado por boa parte da América do Sul, ainda não foram lançados na capital paranaense.
Nessa entrevista, feita por e-mail, Hermeto fala, entre outras coisas, de “Música Universal”, da cena curitibana, de sua parceria com Miles Daves e da vez em que levou porcos para um estúdio americano.

Jorlab: Você é considerado um gênio, um mago, um bruxo da música. Multinstrumentista famoso por harmonizar qualquer coisa. Mas como é esse processo?
Hermeto: São coisas da natureza e da intuição. Eu faço isso desde pequenininho. Sempre percebi o som de tudo. Quando as pessoas falavam com a minha mãe, eu dizia pra ela: "Olha, ela está cantando!" Ela estava conversando, mas eu conseguia perceber as alturas das falas das pessoas. Não sabia que eram notas! Meu avô era ferreiro e eu aproveitava todos os ferrinhos, restos de penicos, e tocava neles, criando melodias a partir daqueles sons. Também tocava flautinhas de bambu, de talo e de mamona para os passarinhos.
Jorlab: E como é a história de levar porcos do Brasil para um estúdio nos Estados Unidos? É verdade que te barraram aqui por causa dos bichos?
Hermeto: Isso é lenda! Pra quê eu iria levar porcos para os EUA, se lá já tem? Gravei sim com dois porquinhos do Texas, tão cheirosos e bem tratados que as crianças, que eram donas, ficaram com medo que eu fosse bater neles. Mas não, apenas extraí o som. É só pegar neles que eles já gritam!
Jorlab: Você gravou com Miles Davis (famoso trompetista de vanguarda do jazz, que morreu em 1991). Como foi isso? Reza a lenda que ele era seu fã.
Hermeto: Foi um presente de Deus eu me encontrar com o músico e a pessoa maravilhosa que ele era. Uma vez um radialista da França perguntou como ele gostaria de voltar pra Terra se pudesse escolher? E ele respondeu: ‘Eu gostaria de ser um músico como o albino brasileiro Hermeto Pascoal’. E eu só não divulguei isso antes para não dizerem que eu queria aparecer. Mas as pessoas me perguntavam muito: ‘E então, Hermeto, você tocou com o Miles Davis?’ E eu respondia: ‘Sim, ele também tocou comigo!’
Jorlab: Quais são os outros músicos de repercussão internacional com quem você já gravou?
Hermeto: Gravei com Sérgio Mendes e Ron Carter, ambos a convite meu, para tocarem os meus arranjos. O único que me convidou para gravar com ele foi o Miles Davis.
Jorlab: No meio “cult” você é considerado um dos maiores músicos da atualidade. Mas que música você ouve em casa? Há preferência por algum estilo?
Hermeto: Só ouço mesmo os sons naturais: motor de carro, ralo de torneira, passarinhos. Eu ouço muito mais a minha intuição. Mas sempre que os músicos me mandam seus discos eu ouço algumas faixas para dar meu parecer quando eles pedem.
Jorlab: E o que o você acha que o leva a ter tanto sucesso, principalmente no exterior?
Hermeto: É o respeito que eu tenho pelo público do mundo inteiro, fazendo música Universal. Música sem preconceito e com várias tendências, aliadas ao bom gosto. Contemplo tudo o que é bom. Então, em qualquer lugar onde toco as pessoas se identificam com esse som. E cada vez eu fico mais fascinado com o público de todos os lugares. O público é a razão de minha música!
Jorlab: Hermeto, você é um músico inovador, de vanguarda. Como encara aqueles que dizem que "em termos de música, o novo já nasce velho"?
Hermeto: Quem diz isso nem nasceu. Ou morreu e esqueceu de deitar! Nós viemos para a Terra para criar, evoluir e percebemos isso cada vez mais. Cada dia é diferente! Cada ar, cada nuvem, cada pedra, cada dedo...
Jorlab: E como é "pegar uma coisa do nada e criar sobre o nada", como você declarou em uma outra entrevista?
Hermeto: Isso funciona com a energia que a gente tem. Através do olhar, passamos uma energia e aquilo que não existe passa a existir. Isso depende muito da percepção de cada um. E eu tenho muita facilidade. Nasci com esse dom. É como beber água para mim.
Jorlab: E o que você acha da cena musical de Curitiba?
Hermeto: Eu mudei para Curitiba há três anos e meio, por causa de Deus e de uma gaúcha que eu conheci em Londrina: Aline Morena! Estamos juntos há 4 anos no amor e no som! Recentemente fizemos um CD e um DVD chamado Chimarrão com Rapadura. É a primeira vez que formo um duo e estou muito feliz. Sempre toquei em Curitiba. O público aqui é como em todos os lugares, sempre maravilhoso! Porque a Música Universal não escolhe público, o público sim é que escolhe a Música Universal! Estou querendo lançar esse último CD e DVD também em Curitiba. Já estivemos na Argentina, Uruguai, Equador, São Paulo, Rio... está faltando Curitiba!