Friday, April 25, 2008

O (TEXTO) RENEGADO

Acaba vindo parar aqui – além de aqui.

As super-reportagens de Norman Mailer
Na virada dos anos 50 para os 60, nomes do calibre de Tom Wolfe, Gay Talese e Joseph Mitchell começaram a profanar o sagrado jornalismo de leads, objetividade estéril e narrativa pasteurizada instituído nos Estado Unidos. Numa época de efervescência cultural em que os hippies colocavam LSD na música, eles fizeram com a reportagem algo então impensável: cruzaram a apuração jornalística com as técnicas narrativas ficcionais. A cria disso foi para alguns romancistas da época um monstrengo pavoroso que gelava a espinha – o retrato da realidade contemporânea aliado ao bom texto da ficção significava uma concorrência até então inconcebível. “Para alguns” porque outros, contudo, logo perceberam que poderiam tirar seu quinhão da maluquice proposta por aquele bando de repórteres novatos, rebeldes e talentosos. Foi assim com Truman Capote, que depois de ser aclamado por seu primeiro romance (Outros Quartos, Outras Vozes) embrenhou-se por cinco anos no processo de apuração que culminaria no 'romance de não-ficção' A Sangue Frio – e quase o levaria à loucura, contribuindo muito para que perdesse de vez o controle sobre o álcool e as drogas.
Norman Mailer, uma espécie de prodígio que aos 25 anos lançara um romance seco, cínico, sujo e sarcástico tido por muitos como a obra literária definitiva sobre a Segunda Guerra Mundial (Os Nus e os Mortos), foi outro autor de ficção que resolveu meter a colher naquela sopa de letrinhas. Sua faceta jornalística destilada aparece em O Super-Homem vai ao Supermercado (Companhia das Letras, 2006, 456 páginas), coletânea das coberturas que o autor fez das convenções partidárias americanas nos anos de 60, 64 e 68. Rezando pela cartilha do new journalism – como o movimento encabeçado por Wolfe foi então batizado – e com a classe política nas mãos – nenhuma oferece melhor material para um escritor polêmico e irônico como ele –, Mailer abre a caixa torácica dos partidos Republicano e Democrata e faz emergir a atmosfera caótica e esquizóide do quadro político estadunidense – numa década que provavelmente foi o germe da Era Bush.
Analista perspicaz, observador capaz de captar nuances mínimas e adepto de incursões psicológicas, pouco parece escapar daquele que "desde de Edgar Allen Poe foi o mais amado e odiado escritor dos Estados Unidos". O Super-Homem vai ao Supermercado reporta um pouco de cada coisa relativa à quitanda da política americana, desde a maleabilidade dos delegados das pequenas cidades interioranas (verdadeiras massinhas de modelar nas mãos dos caciques dos partidos) à batalha ressentida dos representantes do meio-oeste para derrubar o establishment político do leste. Uma verdadeira feira-livre de frutos amargos como o que os chefões do partido Democrata tiveram que engolir em 1960, perdidos diante de uma máquina política que não entendiam mais e que estava a ponto de indicar o azarão John Kennedy (como de fato o fez), ou o racha partidário promovido pela onda de protestos e violência policial que marcou a convenção, também democrata, de 68, em Chicago. Mailer traz ainda Nixon e sua desesperada briga para reerguer-se – depois de ter sido politicamente assassinado pela sombra de Dwight Eisenhower – e agarrar a dentes a indicação republicana do mesmo ano. Tudo permeado por ponderações a respeito do Vietnã, da contracultura e do puritanismo americano. A cereja do bolo é o estilo do escritor, repleto de referências literárias, ironias que têm muito a ver com estiletes sem cabo e digressões analíticas que prevêem, a partir do fim daquela década, um futuro sombrio de 40 anos – questão de sorte ou não, ele parece ter acertado.
Para quem conhece Norman Mailer, O Super-Homem vai ao Supermercado é o escritor lapidado. Para os outros, um aviso: o autor de Parque dos Cervos e a A Canção do Carrasco fez de seus livros verdadeiros moedores de carne – o que talvez seja um reflexo da nada plácida vida pessoal que levou. Não são poucas as acusações de agressões físicas e as prisões que ele teve no currículo. É inegável, porém, que Mailer foi também um dos maiores intelectuais americanos do século XX. Infelizmente, morreu em novembro passado, aos 84 anos, quando a artrite não mais permitia que participasse das brigas de bar dos bons tempos. No entanto, ainda deixou seu último soco na mente da humanidade: O Castelo na Floresta, romance recém-lançado no Brasil que especula sobre a infância de Adolf Hitler e é narrado por um demônio. No caso de Mailer, uma sinopse pode falar por si só.

Thursday, April 17, 2008

A tevê e os erros de julgamento

Já expliquei mais de uma vez aos meus amigos de bar a idéia de que a faculdade de jornalismo é uma espécie de ode ao ócio. Tirando uma matéria aqui e outra ali que realmente valem a pena, o resto da grade curricular é feita com o propósito de permitir que os alunos fiquem de bobeira o maior tempo possível. No meio dessas aulas mala você fica praticando o ócio, e o pensamento corre – no meu caso, geralmente com bobagens. Numa dessas matérias, acabei fazendo os roteiros(?) de uma série de tiras que ia pôr em prática com um amigo. Acabou não rolando – como quase tudo em que eu meto o dedo – porque meu companheiro de empreitada tem desculpas esfarrapadas do tipo eu-não-tenho-estilo-pra-desenhar-tiras. Os roteiros(???) ficaram perdidos em algum lugar da minha bagunça. Encontrei dois ontem, fuçando umas coisas. Como não tenho nada pra pôr aqui, vai isso mesmo. Segue:

Tira 1
1º quadro – O sujeito está vendo televisão. O telejornal anuncia: “O aquecimento global é um dos maiores problemas da atualidade”.
2º quadro – Segue o telejornal: “Cientistas estimam que nos próximos 50 anos o derretimento das geleiras pode fazer o nível do mar subir quase meio metro”.
3º quadro – O sujeito grita, todo feliz, para a mulher, que está em outro cômodo da casa: “Marta, venha ver! Nossos netos vão morar à beira-mar!”

Tira 2
Mesmo esquema, mas o homem na frente da tevê é substituído por uma carola.
1º quadro – O telejornal anuncia: “A situação da África em relação à Aids continua insustentável”
2º quadro – Prossegue o telejornal: “Estimativas da ONU mostram que cerca de 25 milhões de pessoas estão contaminadas pelo vírus no continente”.
3º quadro – A carola exclama: “Pervertidos! Pervertidos! Sodoma! Sodoma! Deus transforma em sal os infiéis!”

Claro que eu exagerei a questão do nível do mar. Enfim, eu sei, não tem a mínima graça assim, escrito, mas na minha cabecinha doente faz sentido. Quem sabe, um dia, se alguém desenhar?