Monday, September 01, 2008

A vida por um fio

Leio nos jornais (na verdade não leio, dou uma corrida de olho, que o mar não está pra peixe, a vida não está ganha e é preciso correr atrás; e, afinal, jornal é sempre a mesma coisa, dá para adivinhar o que eles estarão a alardear) que a ciência continua sua incansável marcha para transformar a vida de todos nós, pobres diabos mortais, em algo totalmente insosso, chato e desprovido de graça. O que, diga-se de passagem, no atual andar da carruagem, não é lá tarefa das mais complexas.
(Digressão para desabafo deste que escreve estas mal digitadas linhas: como imagino que deva acontecer a todos, eu não fui previamente consultado por ocasião de meu nascimento. Acho isso de uma canalhice das maiores. Alguém poderia ter tido a decência de perguntar-me se eu estava realmente disposto a encarar a barra pesada aqui de fora em troca dos parcos prazeres que este mundo tem a oferecer – o cigarro depois da xícara de café puro, umas cervejas, um filme do Leone, um livro do Graciliano, e vamos ficando por aqui. Provavelmente eu teria recusado a oferta com um obrigado-obrigado-mas-encontre-outro-trouxa-a-quem-encrencar e me livrado de uma porção de aporrinhações.)
Mas como dizia antes do meu acesso de amargura fulminante contra o mundo e todos os seres viventes (o que resultou num parágrafo meio avulso, como pode ser constatado), a ciência continua descobrindo que isso aqui faz mal, aquilo lá é causa provável de aleijamento e daquele outro, por deus, é melhor nem se aproximar que a morte lenta e dolorosa é certa. A bola da vez é o chimarrão que, não bastasse os males causados ao tubo digestivo devido a temperatura em que o mandamos goela abaixo, agora também pode causar câncer de esôfago.
Senhoras e senhores, a vida está por um fio. Um passo em falso e, zás!, vamos todos para o beleléu.
Não comecemos a pensar negativo, porém. Afinal, a ciência, como de costume, não sabe lá muito bem o que acontecesse com nosso esôfago – tem só uma vaga noção. O que, visto de uma perspectiva complacente, é até um avanço, já que nas maiores questões a respeito da vida, do Universo e de tudo mais a ciência não faz mesmo é a mínima idéia do que está a se suceder. Entretanto vamos ao que sabemos, que não é muito, mas dá pro gasto: no chimarrão, sempre segundo os cientistas, existem substâncias cancerígenas – não se sabe ao certo quais, não se sabe exatamente a que propósito, mas a prova de que alguma coisa não está certa nesse riscado é que o Rio Grande do Sul, onde já se nasce de cuia em punho, é o terceiro lugar do mundo em incidência de câncer de esôfago. É o que dizem as estatísticas, ao menos, que podem ser suficientes para os cientistas, mas não o são para mim e minha sabedoria chucra. Estatística é, afinal, a arte de torturar os números até que eles digam o que você quer.
(Atenção! Agora saltarei, serelepe, para outra digressão: não sei ao certo que serventia tem o esôfago. Provavelmente tem alguma, mas é plausível pensar que eu tenha fugido dessa aula, ainda lá na minha terra, para beber cerveja no boteco do Seu Luís Polaco, que andava sempre atrás do balcão de cuia na mão, óculos no meio do nariz, a contar moedas, temendo ser ludibriado por fregueses de caráter questionável. Espero que esteja bem de saúde, o Seu Luís; bem do esôfago, acima de tudo.)
Depois de ler o jornal de domingo, avisei meu pai da boa-nova (ou, vá lá, má-nova), apressando-me depois a explicar, temendo que sua hipocondria já começasse a rastrear carocinhos em sabe-se lá que parte do corpo – onde ficará o esôfago? –, que não era para tanto, que a ciência vive mesmo é em função de anunciar a morte certa para dali a dois minutos. Eu mesmo, neto de gaúcho que sou, aprecio o chimarrão e dou minhas bicadas vez ou outra em uma cuia que esteja dando bobeira. O que, não raro, rende alguma inconveniente piada a respeito do ato de se estar com a boca em um objeto de formato fálico, fazendo suspeitos movimentos de sucção – ato cujo nome vulgar eu não escreverei aqui, em respeito às senhoras que por ventura dêem com os olhos nestas linhas.
Assim, mais uma vez a ciência fez o obséquio de aumentar minha lista de hábitos perniciosos que, mais dia menos dia, provavelmente menos dia, me levarão para a cova. Dirão os mais sensatos que eu estou pegando no pé da ciência, e de fato estou mesmo. Não carecia de ficar sempre a anunciar que – muito não tarda! – estarei eu abotoando o paletó.

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