Saturday, October 11, 2008

Pequena crônica sobre o silêncio

Minha família e eu moramos num apartamento minúsculo no centro de Curitiba. São quatro pessoas, de modo que se alguma coisa mais entrar em casa provavelmente seremos obrigados a atirar algo pela janela, a fim de fazer espaço. Num lugar assim, é impossível ficar sozinho, em silêncio. O barulho é perene. A tevê está quase sempre ligada em alto volume, porque meu pai, creio, é um pouco surdo; a máquina de lavar roupas vive um eterno vai-e-vem, num zumbido de trovão; meu irmão é um tagarela que tem verdadeiro temor à possibilidade de não ser ouvido e por isso expressa-se sempre aos berros. Os vizinhos, não sem razão, devem achar que somos malucos; além de tudo, somos uma família dada a rompantes de fúria e de ternura.

Sempre foi assim. Lembro de quando morávamos com minha avó materna, no interior, numa grande casa de madeira que há muito pedia reparos em caráter de urgência. Nas festas de fim de ano, a família se reunia, os filhos vindos de longe – família grande, sete ao todo -, as noras, os filhos dos filhos, os adjuntos; às vezes aquela velha casa ficava uma semana inteira com mais de trinta pessoas sob o teto, uma algazarra, uma balbúrdia, um pandemônio, gente dormindo pelo chão, conversas paralelas que compunham uma massa sonora impenetrável, crianças aos gritos, a gargalhada afetada e em volume máximo de meu avó, um dente de outo a resplandecer. Havia ainda um papagaio, que minha avó garantia ser poliglota mas que na verdade não fazia mais do que gritar papagaíces o dia todo. Se casas pudessem enlouquecer, posso garantir que aquela lá o teria feito.

Acostumei-me assim ao espalhafato, a conviver com um ar de textura tão encrespada quanto a do mar em tempestade; acostumei-me a viver em ambientes de um sossego de guerra, algo como se um conflito marcial tivesse estourado há pouco, agorinha mesmo, não faz nem dois minutos; habituei-me ao barulho constante; habituei-me a fazer tudo com barulho, e posso ler e escrever tranqüilamente em meio a um saloon de bêbados e dança, como aqueles ferozes bares que vemos nos westerns. Acima disso, incomoda-me o silêncio; em meio a ele uma simples torneira pingando é capaz de me levar à loucura.

Acho que descobri por quê.

Escrevi há poucos dias, num texto, que o silêncio, uma substância inextricável, é a sustança da solidão. Uma amiga me chamou a atenção para o trecho. Fiquei com isso na cabeça. Conclui que jamais escrevi algo mais correto.

1 Comments:

At 4:23 PM, Blogger Unknown said...

Faz tempo que nao entro no seu blog e geralmente eu nao comentava. Mas realmente gostei desse texto... Nao gosto do silencio, por outro lado, as vezes, me acostumo com ele. (desculpe-me a falta de acentuacao, mas esse computador nao tem acentacao para o portugues)

 

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