Thursday, November 20, 2008

Abaixo, algo que rabisquei dia desses. Tudo meio parado por aqui, mas às quintas sigo firme n'O Diazepam - se sentir saudades, cola lá.


Resmungos

Tânia ligou-me ontem, furiosa. Eu estava com uma ressaca brutal e não pretendia levantar da cama – mas nem fodendo. Mas o telefone explodia, insistentemente (trrrriiiimmm!!!). São os sortilégios da tecnologia. Por fim, levantei-me, cambaleante; meu centro de gravidade, àquela altura, devia estar parecendo um saca-rolhas.

A voz de Tânia era viva e pungente, embora ela estivesse muito longe, interior adentro. Fiquei imaginando suas cordas vocais vibrando, a energia mecânica transformada em fonemas, e então em pulsos elétricos que viajavam centenas de quilômetros de fiação telefônica; por fim, a voz dela, irritante, em meus ouvidos.

Quando Tânia me trocou, eu fiquei abatido; não por ela – hoje sei -, mas pela estabilidade que eu deixava escapar. Porém agora posso dizer que estabilidade é uma coisa com a qual devem se preocupar engenheiros de carros de corrida. Não eu. (É que eu sou de agosto, meu bem, mês do cachorro-louco.) Eu sou mais como um Cadillac viajando numa noite de chuva a 150 quilômetros por hora em uma estrada sinuosa – e com a barra de direção quebrada. Eu eu tenho os ombros retesados, sempre tencionados, como se a todo momento estivesse à espera de uma pancada. Herdei esses ombros de meu pai; está inscrito em meus ossos, consta em meus nervos, percorre meu sangue. Então, esqueci Tânia – afinal de contas, o meu pinto não caiu, caiu? - e esperava que ela me dispensasse a mesma consideração. Agora, o passado me volta via empresas de telefonia. O requinte de crueldade: ela me ligou a cobrar.

Detesto telefones. É um trauma.

Nunca lidei muito bem com mulheres. Fitzgerald disse que a deslealdade nunca poderá ser uma característica totalmente censurável em uma mulher. Justiça seja feita, mas jamais aprendi a lidar com isso. E já que o amor é uma questão de escolha... não é, Bóris? Bem, você não entende nada de amor. Mas sim, eu lhe digo, é uma questão de escolha. Uma escolha que se faz dentro do acaso. Pois então eu escolho mandar Tânia ao inferno, como uma cadela de três cabeças a guardar a porta do recinto.

Murilo, seu filho da puta, eu estou falando com você!

Essa era Tânia, ontem. Acho que irritei-a um pouco com meu silêncio.

Onde deixei meus cigarros?

Bem, terminou como sempre termina, o que não é exatamente um fim; algo que vive a terminar aniquila todo e qualquer sentido que o fim possa ter. De qualquer forma, ela desligou o telefone, fora de si, e eu fui fazer café, uma tentativa de pescar a mim mesmo na sarjeta.

Bóris?

O cachorro abanou o rabo e ergueu-se sobre as quatro patas, a língua dependurada na boca. Murilo fez um gesto de censura a si mesmo, proibindo-se terminantemente de voltar a conversar determinados assuntos com o cão.

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