Saturday, October 11, 2008

deus (ou do ateísmo)

não rezo. há tempos. não agradeço a deus pelo copo no bar, pelo álcool balsâmico a viajar pelos músculos e aquietar finalmente a mente; não agradeço a deus pelo pão ou pela carne; nem pelo cheiro de terra depois da chuva, pelos dois ou três amigos realmente leais que fiz, pelo cigarro depois do café puro; não agradeço por graciliano, por quintana, por leone ou por belchior; não louvo a ele pela comida no prato ou pelo sorriso de meu irmão; não agradeço o dia vindouro, o fato de estar vivo ou o canto do sabiá que de vez em quando dá pra piar em minha janela; nem pela rosa, nem pelo cravo, nem pelo doce da ebriedade nas noites sabáticas; nem sequer lembro de deus durante o futebol, durante os beijos ou durante as transas; não agradeço a deus por estar onde estou ou por ter me tornado o que me tornei.

mas sou justo, e se não lhe sou grato, também não o culpo.

não culpo a deus pelas crianças famélicas, pelos dias aziagos, pelos ouvidos de mercador do mundo; aliás, não culpo a deus por o mundo estar nas mãos de meia dúzia de poderosos; não culpo a deus pelos rins perenemente doloridos, pela saúde frágil, pelos braços magros e sem forças; nem ao menos pela promessa de futuro doloroso; não culpo a deus pelo temperamento ruim, pelos vícios que ultrapassam em muito as virtudes, pela solidão; não o culpo por hitler, por bush ou pelas cruzadas ou pela inquisição; não o culpo pela fome, pela peste, pela guerra e pela morte; nem por ratiznger e seus delírios, nem por pio xii, nem por hiroshima; nem ao menos o culpo pelos amigos que morreram, jovens, de infarto fulminante e bebedeira ao volante – um pé pesado no acelerador, uma reta que de repente decidiu virar à esquerda; não culpo a deus pelo nó na garganta dos humilhados que querem chorar mas não conseguem, nem pelo coração acossado dos mal-amados; nem pelo lixo de muitos, nem pelo luxo de poucos; nem pelos sofrimentos de jó, nem pela perversidade gratuita, pela violência sem motivo, pelo mal que galopa livre em um cavalo alado; nem pelo hediondo, nem pelo bruto, nem por nada; não culpo a deus pelos olhos marejados, pela melancolia destes tempos tristes, pelo câncer a roer corpos já minguados; não culpo a deus pelo que me tornei.

não culpo porque não o creio. deus não tem nada a ver com isso. quero crer, sim, em homens bons – aviso quando encontrar um.

1 Comments:

At 8:37 PM, Blogger iasa monique said...

você dói em mim, sandoval.

 

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