Thursday, June 01, 2006

Não dá pra conversar com deus quando se está bêbado. Depois da sétima dose fica difícil pronunciar os gerúndios e isso complica tudo.
A garoa engrossa. Em algum lugar acima do firmamento de grandes chaleiras abertas está Deus, metido em um roupão seco e confortável. Seguro. Porque Deus não joga dados. Joga cartas. Pôquer. Nós somos as fichas. E parece que Ele não tem ganhado muito ultimamente. Pelo menos não nos últimos mil anos. Um jogador. Um jogador incompetente. É isso. Perdeu Cristo no baralho. Um jogador incompetente e metido numa maré de azar que dura milênios. Ingênuo. Um Deus viciado. A humanidade tem um problema dos grandes.
As gotas d´água deixam a vista embaçada. Esfrega os olhos. Quando as luzes da avenida ficam nítidas de novo, um elefante azul marinho com bolinhas cor-de-rosa aparece no semáforo. Flashs. Flashs da semana passada. Com cinco dias sem dormir e esses flashs não dá mais pra ter certeza do que existe. Um minielefante pintado de cor-de-rosa estatelado em cima do semáforo. Depois da nona não da mais nem pra pronunciar seu nome. Um Chevette com as velas entupidas e sem a barra de direção. Verde, vermelho, atenção. Um carro velho fodido no meio da cidade, na avenida onde minielefantes com bolinhas cor-de-rosa se estatelam em cima de semáforos.
Oh, Deus, sem gerúndios desta vez. Isso é pior do que cortar os pulsos com uma colher.
...
O problema de não dormir é que seu raciocínio acaba ficando rápido o suficiente pra perder por anos-luz uma corrida de cem metros pra uma tartaruga marinha. Não dá mais pra saber o que é um minielefante azul com bolinhas cor-de-rosas fosflorescentes e o que é o reflexo da luz na chuva.
Os dias sujos. Os dias sujos e úmidos. Os dias que fedem feito cachorro molhado. Os dias bêbados.
O céu fosco. O céu fosco que reluz como uma chaleira de inox engordurada.
Você entra em um bar e escapa da chuva, mas não há como fugir dos sotaques felizes. E você está desarmado. Agora já são dez. As tripas esperneando no meio daquele mar de vapor de gordura velha. Você mastiga o ar e sente o gosto do hambúrguer cheio de óleo. No vidro dá pra ver a cara. Os olhos injetados, os grandes círculos roxos, o rosto que parece um caroço de manga chupado. No queixo o band-aid cobrindo o corte mais fundo. Barba mal feita. Era só pra ficar um pouco mais apresentável, mas cinco noites e esses flashs te deixam com a precisão cirúrgica de um bêbado com Mal de Parkinson. Era só pra tirar a barba, mas o negócio acaba se transformando numa tentativa de suicídio.
Onze.
Na ponta do balcão um gato verde-limão brinca com um camundongo violeta.
E a vida se arrasta como o gado indo pro matadouro.