Tuesday, May 13, 2008

UM GUARDANAPO ESCOLHIDO

Apenas pra não passar em branco:

Naquela noite Walter finalmente entendera, embora ainda não conseguisse nem ao menos esboçar o teorema de sua própria compreensão. Balançou a cabeça ostensivamente de um lado a outro, tentando reordenar as idéias embaralhadas pela bebida – o convidado que no êxtase da festa bagunça a louça ao esmurrar euforicamente a mesa posta. Mas a verdade estava lá, o núcleo principal, dançando em seu crânio como uma barra de sabão em um piso polido e molhado. Incomodava, era de uma selvageria cruel, indômita. Ecoava. Jamais conseguiria, e essa previsão futurista chegava a ser tangível. Não poderia conseguir, porque era ruim, absurdamente ruim naquilo que gostava, e ao mesmo tempo não poderia fazer mais coisa alguma. Passaria a vida mendigando, seu orgulho rústico de trabalhador braçal torturado dia a dia. O orgulho, a chave da câmara. Mas seu orgulho, o orgulho dele, diante daquele balcão sujo, embalado pelos berros de bêbados eufóricos, lado a lado com cervejas que suavam, operárias tentando trazer o mínimo de conforto a homens perdidos como crianças, o orgulho de Walter apoiava-se em muletas. Havia um sujeito mais forte do que ele em cada esquina, mais forte, mais empenhado, mais suscetível a se deixar moldar. Aquela magreza cadavérica, atávica, não era apenas física. Era um reflexo psicológico, um reflexo de seu emocional, da quantidade de fichas que estava realmente disposto a apostar no mundo. Seu orgulho ficava a cada dia mais trôpego e por isso perdia a razão de existir. Não era mais fortaleza, era cama de faquir em brasas. Ele sentia a planta dos pés esfaqueadas, o coração de fumante engasgado, cheirando a diesel. Ele todo, aos vinte anos, virara uma figura disforme, volátil, um fantasma de si mesmo, apenas ectoplasma. Assim, suscetível como um paciente em estado terminal. Tão medíocre quanto um viciado de longa data.

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