Thursday, February 14, 2008

Só pra não passar em branco, trecho de uma história que estou tentando escrever. Um projeto que pretendo levar a cabo com um amigo, assim que conseguir estabelecer alguma ordem em meus dias. Orem por mim. Ou me paguem um drink.

“A voz era áspera e potente, em algum lugar entre o ódio pulsante e o choro pueril. Por que depois de algum tempo todas as mulheres soam como sua mãe? Agora percebia que havia feito a maior besteira de sua vida, e mesmo assim elas estavam certas. Todas elas. Estavam todas certas quando tentaram evitar que ele enfiasse os pés pelas mãos em todas as vezes que ele enfiou os pés pelas mãos em sua vida. Sua mãe estivera certa, quando tentou evitar que ele abandonasse a faculdade quatro anos antes, em uma cena parecida. Mas que diferença fazia? A porra da vida não é uma equação matemática. Encontrar uma variável não te dá uma outra. Algumas pessoas simplesmente não podem dar certo. Era sua amaldiçoada natureza. Como um pato, nadara, andara e voara, e como um pato não conseguira fazer nenhuma das coisas direito. Em seus vinte e cinco anos jogara o jogo da vida tiltado. Recebera mãos boas e arriscara, recebera mãos ruins e arriscara. Se estrepara, naturalmente. As probabilidades não podem ficar do lado de um suicida compulsivo. A matemática é contra a vida. Agora chegara a hora de apostar tudo o que lhe havia restado, numa última tentativa de manter-se na mesa do mundo por mais algumas mãos.

Descobrir que havia entrado em um jogo pra perder, sem saber que cartas faltavam no baralho, levou-o a calma que só o completo desespero dá a um ser humano, um cansaço histérico que o fazia dar risinhos nervosos ao constatar suas próprias desventuras. Com uma leve inclinação de cabeça, concordou com seus próprios pensamentos, com o mesmo ânimo de concordaria com um bombardeio de napalm a um asilo perdido em alguma aldeia miserável da Ásia Central.

Naquela noite saiu de casa sem dizer palavra, com os passos firmes e decididos de quem tomou a inabalável resolução de embriagar-se. Até o amanhecer, bebeu quase um boteco inteiro, e no dia seguinte acordou presa de uma ressaca atroz que o impediu de sair da cama antes das dez da manhã. Acabou demitido, porque aquela era a terceira vez que faltava ao trabalho em uma semana sem nenhuma desculpa plausível que não envolvesse a morte de uma de suas trinta e sete avós.

Deus era, sem sombra de dúvida, um crupiê de mãos rápidas e impiedosas.”

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