Thursday, July 05, 2007

"todos dançam tristes na banda dos contentes"

18h30. Conhaque no balcão. A sinfonia se perde ao longe. Bate no vazio das tripas e queima o bom senso. Flamejante. Gravatas, suspensórios. O outro mendiga uma cachaça. O cara ao lado é um daqueles fodidos pelo cigarro. Tem um buraco na garganta. Puxa papo. Pergunta minha idade. Mal entendo o que diz. Falamos sobre cerveja e sobre malditos escritórios. Sobre cigarros e sobre como preciso parar de fumar. Mais uma dose. A grana não vai dar pro ônibus. O cara continua falando: quantos anos fumou, com que idade começou etc e tal. Continua dizendo que é melhor parar enquanto é tempo. É inútil. Ninguém nunca dá ouvidos. Desligo e me concentro na dose. Lembro da sinfonia: teclados, cliques de mouse, impressoras anárquicas. Lembro de José Arcádio Buendía. Lembro de Sartre e lembro de Tyler. Não vai dar pro ônibus. Gravatas, suspensórios. Pouco importa. Uma vez alguém me disse que à noite todo mundo é marginal. Não deixa de ser interessante. Mas alguém também disse que pra se viver à margem é preciso ser honesto. Não lembro quem. E que se foda o ônibus. Outra dose. O velho fala. É meio Buendía: passou tanto tempo amarrado na árvore que agora não sabe pra onde ir. E daí fala. Olho o pulmão moribundo atrás do maço. A trilha sonora é a voz do velho, que insiste em sair pelo buraco de broca. Não chega a ser aterrorizante, mas é o suficiente pra te fazer pensar por dois ou três segundos. Outra dose. As latas de embutidos sobre rodas desfilam do lado de fora. As pessoas voltam. Ninguém olha aqui pra dentro. É uma vitrine de açougue, um morredouro de almas. Olhar deve ser de mau agouro. Um quadro de Magritte enfeitando a avenida. O retrato é mais feio que o próprio Dorian. Outra dose. Desce feito suco de laranja e deixa a boca cheia d’água. Pago a conta e dou três tapinhas nas costas do velho. Convenções idiotas. Saio. É como ter dardos nos olhos. Você bate no vazio da avenida e fica lá, boiando, como a primeira dose no estômago incauto. Só quando o corpo purga é que as flores da alma respiram. O maço vaga no bolso do jeans. Olho o pulmão moribundo. É melhor que o buraco de broca. A vida podia ter final feliz, mas a gente morre no fim. É inevitável: sempre termina como um conto de Bukowski.

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